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Arte-educadores: ainda não mudamos de profissão...





O ponto de vista de Mariana me provocou.



Fiquei pensando sobre como é duro dar aula de teatro.



Fiquei pensando o quanto e a quem se pode responsabilizar. De quem é a culpa do ensino de teatro nas escolas ser tratado de maneira verdadeiramente irresponsável. O teatro raramente é visto como uma disciplina central pelas escolas. Quando é oferecido, quase sempre figura como uma disciplina menos importante.
Lembro de uma situação a que todos os professores curriculares da disciplina de teatro já passaram: tem lá um aluno que foi aprovado em tudo, menos na sua disciplina que não é química, e sim teatro. O que fazer?
Sim, porque um cara não pode viver sem saber o número químico do elemento chumbo, mas é claro que ele pode ficar sem aprender a representar um teatro.
Já imagino as mães dizendo:

-Ah! Professora, ele vai ser engenheiro, ele não vai precisar de teatro....

E nós, tolos professores da área brigamos dia-a-dia para que o filho desta querida mãe tenha a oportunidade de ter contato com a arte teatral na escola. Mais do que a questão da aprovação ou reprovação de um aluno, o ponto principal me parece ser oportunizar o acesso.
Penso que compramos essa briga porque simplesmente acreditamos que o espaço de uma aula de teatro no currículo pode dar ao aluno um conhecimento específico, que nenhuma outra disciplina deste currículo atende .
É para isso que queremos mais espaços na escola: para dar aos alunos mais acesso à arte teatral.
E por que diabos não conseguimos?
Acho que é uma soma de fatores.
Primeiro de tudo é a estrutura da educação, da escola que não é pensada para o ensino de teatro.
Quando cheguei na escola em que trabalho, tinha que afastar as carteiras das salas em toda a turma que eu tinha aula. Era uma bagunça geral. Os outros professores reclamavam. Era barulho e bagunça. Meu argumento sempre foi meio irredutível: preciso de espaço para dar minha aula.
O que é realmente desanimador é o fato de que neste ano (exatos seis anos depois da minha admissão na Prefeitura Municipal de Florianópolis) dando aulas sempre na mesma unidade escolar, tentaram NOVAMENTE me deixar sem espaço adequado para trabalhar.O problema foi rapidamente solucionado e acabei não ficando sem sala. Mas, fico pensando o que fiz para merecer isso.
Aí me somam outros flashes que demonstram como o ensino de artes é maltratado em geral.
Há, claramente, uma preocupação em dar aos alunos o acesso aos bens culturais.
A primeira experiência que me vem à cabeça é a ida de alunos da rede pública de Florianópolis no teatro do CIC para ver uma apresentação do Ballet Bolshoi neste ano.
Sinceramente, eu achei o máximo. Dar acesso a bens culturais que meus alunos pouco tiveram contato é verdadeiramente maravilhoso.
Problema número um: só vinte e cinco alunos por unidade escolar. A escolha na nossa unidade foi absolutamente subjetiva. Mobilizei os professores, discutimos fria e cruelmente quem dos 700 alunos da nossa escola mereceria mais ir ao teatro ver o Bolshoi.
Meio cruel, não acham?
Problema número dois: transporte. Minha escola fica a 40 quilômetros de distância do centro da cidade, a viagem de ônibus dura mais ou menos uma hora e meia. Há um risco em sair com vinte, trinta adolescentes na rua, pegar ônibus e voltar para escola... Quem será responsabilizado se algo de errado ocorrer? Você, o professor responsável.
Sem falar em ficar à mercê dos horários de ônibus do transporte municipal de Florianópolis. Já que o que nos é oferecido são somente os cartões de passe, e não um transporte escolar exclusivo.
Dentro dessas perspectivas, mesmo assim, decidi ir a apresentação que ocorreu no teatro Ademir Rosa, no Centro Integrado de Cultura. E a apresentação foi realmente boa. Era como se fosse um pout-pourri de grandes ballets clássicos. Era um ensaio para a apresentação que aconteceria no final de semana. Dava para ouvir o diretor do ballet gritar comandos ás bailarinas.
No final da apresentação as alunas falaram e tiraram fotos com as bailarinas. Elas estavam muito felizes. Acho que foi daquelas experiências escolares inesquecíveis, daquelas que com quarenta anos você ainda se lembra. Fiquei feliz. E aí fui perguntar para uma das organizadoras se eu podia ter acesso ao programa do espetáculo. E ela não tinha o programa. Eu fiquei pensando que eu não iria poder trabalhar com as alunas que viram o espetáculo, o que era aquilo que elas gostaram tanto. Quem eram os compositores das músicas, de quem eram as coreografias dos ballets.
E eu saí de todo o acontecimento com uma sensação de que minhas alunas mereciam mais do que aquilo...



Logo após o episódio Ballet Bolshoi, nós professores de arte somos convidados para uma visita guiada na exposição do quadro A Primeira Missa no Brasil. A obra do pintor catarinense Victor Meirelles, que foi restaurada recentemente fica exposta normalmente no Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro e pouco sai de lá. Estava na nossa cidade no Museu de Arte Santa Catarina. Eu, como professora de artes que quer proporcionar acesso aos bens culturais, fiquei radiante. Ah! Que maravilha meus alunos vão ter a oportunidade de ver uma obra como que canônica na arte brasileira! Para mim, a ocasião de um de meus alunos ver A Primeira Missa de Victor Meirelles, era quase como equipará-lo ao querido aluno europeu que vai ao museu ver Van Gogh, ou ver Leonardo da Vinci. Sim, senhores, eu sei da diferenças entre Van Gogh e Victor Meirelles, mas...
Chegando na tal visita guiada me deparo com uma imagem por assim dizer desalentadora. Saí desanimada da tal da visita e decidi que não iria levar meus alunos. Eu iria abdicar de levá-los ao cânone.
Isso se deve simplesmente ao fato de que nos enormes corredores do Museu de Arte de Santa Catarina, não havia outro quadro senão o de Victor Meirelles.
E, senhores, o quadro estava lá, na última sala do museu, sozinho.
Eu perguntei a nossa guia o porquê do museu estar completamente vazio. Ela me disse que uma nova exposição estava no museu, empacotada para ser montada, mas não havia seguro para fazê-lo. Então a tal exposição estava encaixotada e meus alunos iriam até o centro da cidade, a 40 km da escola com ônibus regular, para ver uma obra só. Isso me pareceu burro. Por que eu iria correr o risco com meus alunos para ver uma obra só?
Eu já imaginei eles reclamando:

-Ah, professora, viemos até aqui para ver só isso?

Imaginei eles aos quarenta anos, lembrando que um dia uma professora de artes meio tola os levou para visitar um museu vazio.
Foi por causa disso que não levei meus alunos.
E aí me volta a questão da quase perda da sala de artes da minha escola, que foi resolvida brevemente com a mobilização da comunidade escolar que informou ao meu caro diretor que eu não poderia ficar sem a sala de artes.
O que se coloca friamente é o seguinte: não há necessidade de consumo de bens culturais se antes não de viabiliza o acesso a esses bens.
Os meus alunos só lutaram pela permanência da sala de artes na escola, porque já existia uma necessidade deste espaço.
E os espaços de arte, sinceramente não podem estar vazios.
E quando se pensa em dar acesso aos bens culturais para os alunos, deve-se pensar em como contextualizar-se tal obra. Deve-se encher o museu de outras obras que dialogam com o cânone. Deve-se proporcionar a informação de quem são as músicas que ele ouve.
Deve-se ampliar os horizontes.
Portanto, acredito muito que a única postura possível para um professor de arte-educação é aquela em que ele vai brigar pela sala de artes, pedir o programa do ballet e reclamar de um museu vazio.
Afinal de contas, meus caros, somos professores de artes, nos formamos, temos um diploma, e pasmem, ainda não mudamos de profissão.



Nara Micaela Wedekin