Encenadores-pedagogos e Pedagogos-encenadores..




Caros leitores...


Hoje me peguei pensando novamente numa questão que de vez em quando reaparece no meu horizonte de reflexões sobre a pratica do teatro e a formação em teatro. Qual a importância do encenador para o pedagogo e qual a importância do pedagogo encenador?
Esta fronteira (que é bem mais uma linha pontilhada que uma linha cheia) me interessa principalmente em função da minha pesquisa para o mestrado. Estou pesquisando a vocação e a pratica pedagogica de Jacques Copeau, que é um bom exemplo de encenador que era pedagogo e pedagogo que era encenador. Como Stanislavski, foi ator durante muito tempo, encenador durante mais um longo periodo e depois passou a concentrar seus principais esforços na formação das novas gerações de atores. Ambos mantiveram suas carreiras de encenadores até o fim de seus dias, muito embora seu grande ideal fosse a criação, aplicação e sistematização de um novo método de formação de atores. Copeau na França, Stanislavski na Russia, ambos foram simbolo da luta por um novo teatro, baseado em principios muitas vezes comuns, como a negação do cabotinismo, a disciplina e a dedicação absolutas, a pesquisa e o trabalho de purificação constantes. Ambos começaram como atores e depois como encenadores de sucesso, seu desejo era fazer teatro. Mas logo eles descobriram que o teatro, sendo a arte do ator, não poderia jamais ser tudo que eles almejavam que fosse enquanto o ator não estivesse preparado para criar. Na virada para o seculo XX, os atores ainda eram meros interpretes. As peças eram montadas às centenas, rapidamente, apos um trabalho que se resumia ao estudo e à preparação da declamação do texto. Aos atores cabia o papel de dar ao texto as entonações indicadas e fazer as movimentações de palco necessarias. Claro que alguns atores, avidos por oferecer ao publico mais que uma simples forma vazia, pesquisavam seus papeis a fundo, se desafiavam a "encarnar" cada vez mais perfeitamente seus papéis, com o objetivo sincero de emocionar seu publico. Infelizmente, via de regra, estas exceções contavam apenas com seu proprio afinco e sua dedicação para atingirem seus objetivos. Faltavam-lhes dois elementos essenciais no desenvolvimento de uma tecnica: um mestre e um método de trabalho. Tanto Stanislavski quanto Copeau dedicaram sua vida a preencher estes dois vazios. Stanislsvski, sem duvida , obteve mais sucesso nesta empreitada. Apesar de Copeau ter escrito muito, provavelmente mais que Stanislavski, a maioria de seus escritos so foi reunida, organizada e publicada muitos anos apos sua morte. Stanislavski, ao contrario, teve poucos volumes publicados, porém estes foram publicados em vida e seu primeiro livro, MY LIFE IN ART (Minha vida na arte) foi publicado primeiramente em inglês, quando Stanislavski estava nos E.U.A, em 1923. Apesar da versão americana ser arduamente criticada pelos obvios problemas de tradução (Stanislavski ditou o livro em russo para sua assistente e um senhor russo chamado J.J. Robbins traduziu para o inglês, supostamente alterando expressões e editando partes do texto original), ela garantiu que a figura Stanislavski e, por consequência, suas pesquisas e teorias, ganhassem o mundo. O mesmo não aconteceu com os escritos de Copeau, que até hoje nunca foram publicados em português, por exemplo. Ainda assim, ambos concentraram suas inquietudes a respeito do oficio do ator, se dedicando à sistematização de um método. Cada um a sua maneira, -tendo como herança as tradições e culturas de seus respectivos paises, e considerando diferentes influências e confluências estéticas, - buscou realizar sua meta. Durante sua pratica de encenadores, acumularam lacunas a preencher, questões a responder e objetivos a perseguir. Depois, pesquisavam meios de resolver esses problemas tecnicos, experimentando metodos e exercicios com seus pupilos. O que sabiam enquanto encenadores alimentava suas buscas enquanto educadores e o que descobriam enquanto formadores alimentava suas criações enquanto encenadores. Como gênios que foram, partiram de um mesmo principio que é até hoje não somente valido, quanto em grande medida, inquestionavel: a criação teatral é obra maxima do ator. Na ausência de um ator preparado para a criação artistica, não ha fenômeno teatral autêntico que sobreviva.
E desta forma, enquanto nos depararmos com atores despreparados, abandonados às suas proprias formulas e clichés falidos, e sobretudo porque o aprendizado do oficio do palco nunca se esgota, o encenador ainda vai precisar do pedagogo. Mesmo que ele não confesse.


Mariana Schmitz

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